As vezes, quando não tenho palavras para expressar o que sinto, encontro quem já o fez, da maneira mais linda que existe...
"Perdi-me dentro de mim Porque eu era labirinto E hoje, quando me sinto, É com saudades de mim."
quinta-feira, 19 de abril de 2012
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Era uma vez
Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora.
Eu queria ser trapezista,
minha paixão era o trapézio.
Me atirava do alto na certeza que
alguém segurava-me as mãos não me deixando cair. Era lindo
mas eu morria de medo, tinha medo de tudo quase: cinema, parque de diversão,
de circo, ciganos, aquela gente encostada que chegava e seguia. Era disso que
eu tinha medo.
Do que não ficava pra sempre.
Era outra vez outro parque, outro circo, ciganos e patinadores.
Era outra vez outro parque, outro circo, ciganos e patinadores.
O circo chegou
a cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá.
Os artistas
se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei
no meio deles e falei que queria ser trapezista.
Veio falar comigo uma moça
do circo que era a domadora, era uma moça bonita, mas era uma moça
forte, era uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito
difícil mas que nada era impossível.
Depois veio o palhaço
Polly, veio o Topsy, veio Diderlang que parecia um príncipe, o dono do
circo, as crianças, o público...
De repente apareceu uma luz lá
no alto e todo mundo ficou olhando, a lona do circo tinha sumido e o que eu
via era a estrela Dalva no céu aberto. Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só
aí eu vi que estava sozinha.
Texto de Antônio Bivar
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973 de Maria Bethânia
quarta-feira, 11 de abril de 2012
O ANJO, AS RUAS E O CASAMENTO DA NOITE
A oportunidade de ser tocado por um anjo é
extremamente rara. Foi o que aconteceu com o caminhante, certa vez, em uma
festa um anjo olhou em seus olhos sorrindo e o tocou, deu-lhe um beijo no rosto
e se foi.
O caminhante, que andava doente repentinamente se curou,
Deus havia enviado alguém para salvar sua vida, Rafael.
Rafael, ou Deus cura, como é conhecido, partiu
batendo as azas entre o vento e o som celestial. Mas havia ficado algo, indizível, inteligível,
incognoscível e era preciso retribuir.
O caminhante iniciou suas buscas, ouviu falar que este
anjo vivia longe, e que para chegar a ele tinha que passar em uma estrada
longa, com um dique estreito, com muita água cristalina, mas profunda. Que o
local era cabalístico, ficava marcado por três lagos, dois muito escondidos
entre a vegetação. Por isso desapercebido por muitos.
A noite, na estrada o caminhante via as estrelas, cada
vez mais belas, então chegou ao dique, com medo atravessou, cuidadosamente,
lentamente, chegando ao outro lado visualizou a represa que o dique fazia, era
linda a lua refletindo naquela água, o vento soprava delicadamente no rosto do
caminhante que ansioso procurava pelo anjo Rafael.
Entre as ruas, perdido, o caminhante em uma oração
pediu para que o anjo viesse, e ele atendeu. Rafael o recebeu em sua morada,
ambos surpresos, admirados por encontrar o outro.
Conversaram noite e dia adentro. Rafael esta ocupado
com um casamento, alguém iria se casar com a noite. O caminhante não
compreendeu, mas Rafael explicou que quem casa com a noite, casa com o encanto,
com a beleza, com o enigma, com a diversão, com o surpreendente. Mas tem que
tomar cuidado, só pode casar com a noite quem conhece o outro lado dela, para não
se enganado, casar com a noite e não com a escuridão.
Quem conhece e casa com a noite faz amor com ela. Quem
casa com a escuridão se perde nela.
O caminhante compreendeu o que o anjo dizia, mas não
como alguém se casaria com a noite. Rafael sorriu e disse que a noite tem
muitos amores, a escuridão muitas dores. A noite não permite que ninguém a
possua, ela é passageira. A escuridão é controladora, mesquinha, aprisiona quem
dela se casa, se apaixona.
O caminhante tinha que partir, já estava anoitecendo
novamente e era preciso retornar para sua caminhada. Perguntou a Rafael, se o
veria novamente, o anjo disse que talvez. O caminhante sentiu um aperto no coração,
seria difícil não poder mais ter sua presença, que tão bem fazia, onde o anjo
estava era sorriso gostoso, iluminado, aconchego como de abraço.
Então o caminhante agradeceu por ser recebido tão
gentilmente e partiu, e quando se despediu se apaixonou pela noite, refletida
nos olhos de Rafael.
O anjo curou o caminhante da escuridão, mas o caminhante
trouxe outras possibilidades para o anjo, que descobriu que a noite sempre
acaba. Por mais que a noite renasça, será outra e por isso tem muitos amores.
Quando existe alguém que vai ao seu encontro, de
longe, surpreendentemente, no dia ou na noite, não deixa nada nas ruas, nos
caminhos para explorar pois a poesia da música da noite esta no encontro...
E o caminhante foi embora... o anjo descobriu que o
encontro é divino, ele cura, até mesmo anjos se eles se permitirem.
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